quinta-feira, 17 de março de 2011

Still



Anos passados, permaneço no sofá.

Os pombos, velhos e gastos, são expulsos como se fossem uma praga, tal como eu.
O movimento aumenta, entram homens e homens e começam a destruir, sem dó nem piedade, as paredes da minha memória.
Permaneço no sofá.
As paredes à minha volta, que tanto choraram as minhas lágrimas, foram reinventadas, pintadas de branco.

Há uma porta nova, fechada.
A madeira podre, disfarçada de mobília, é deitada fora pelos homens novos que esquecem as gerações de memórias que elas escondem. São minhas, as memórias.
Dão-me banho, cortam-me o cabelo, desfazem-me a barba, secam-me as lágrimas que ainda tinha por chorar.
Roubam-me o sofá que já tinha a minha forma. Queimam-no. E com ele ardem as minhas memórias.
Esta casa já tem tecto, já não sinto a chuva lavar-me o rosto. Já não sinto o cheiro a merda, já não oiço os ratos no piso de cima, já não vejo os pedaços de si que cada sem abrigo deixou para trás.
Oiço apenas o movimento frenético lá fora. Uma rua que foi, um dia, abandonada e frequentada apenas por crianças curiosas e pelo lixo que sonhava ser alguém.

Estou no sofá. Num outro sofá. Na mesma casa, mas com outro sabor.
Continuo à espera, mas já não sei bem de quem...

quinta-feira, 10 de março de 2011

Standby



Estou aqui, torturado pelas dores do excesso de inércia, sentado num sofá mais velho que o tempo.
As paredes já não têm uma cor especifica, já tão pouco sei o que nas paredes é parede.
O chão, que um dia foi de um mogno lindíssimo, é habitado por térmitas e tornou-se um contentor para merda de rato.
E eu esperei, tal como prometi, sem sair do lugar.
Vi a história desta Nobre casa ser esquecida. Vi gerações de sem-abrigo passar por aqui sem nunca perderam a esperança de algum dia serem mais que o lixo podre da sociedade. Engano-me. Eles sonhavam ser mais que o lixo da podre sociedade.
Ouço os murmúrios das crianças lá fora, as estórias que elas contam e acreditam. E como os barulhos da minha inquietação e os meus gritos de dor fizeram desta casa um mito urbano assombrado.
Aquele pedaço de madeira agarrado à parede já foi uma porta, um dia. E, desde esse dia, aquela porta está escancarada para que tu possas entrar.
Estou à espera desse dia, impaciente. O dia em que vais entrar aqui, iluminar esta casa em ruínas e dar-me um abraço cheio de saudade.

Vou ficar aqui, meu amor. À tua espera.