domingo, 24 de julho de 2011

Momento de introspecção





A vida é a sala de espera em que aguardamos o ceifeiro.
É a tua sala de espera. És o centro das atenções. Não te limites a tirar macacos do nariz e colar debaixo da cadeira.



quinta-feira, 17 de março de 2011

Still



Anos passados, permaneço no sofá.

Os pombos, velhos e gastos, são expulsos como se fossem uma praga, tal como eu.
O movimento aumenta, entram homens e homens e começam a destruir, sem dó nem piedade, as paredes da minha memória.
Permaneço no sofá.
As paredes à minha volta, que tanto choraram as minhas lágrimas, foram reinventadas, pintadas de branco.

Há uma porta nova, fechada.
A madeira podre, disfarçada de mobília, é deitada fora pelos homens novos que esquecem as gerações de memórias que elas escondem. São minhas, as memórias.
Dão-me banho, cortam-me o cabelo, desfazem-me a barba, secam-me as lágrimas que ainda tinha por chorar.
Roubam-me o sofá que já tinha a minha forma. Queimam-no. E com ele ardem as minhas memórias.
Esta casa já tem tecto, já não sinto a chuva lavar-me o rosto. Já não sinto o cheiro a merda, já não oiço os ratos no piso de cima, já não vejo os pedaços de si que cada sem abrigo deixou para trás.
Oiço apenas o movimento frenético lá fora. Uma rua que foi, um dia, abandonada e frequentada apenas por crianças curiosas e pelo lixo que sonhava ser alguém.

Estou no sofá. Num outro sofá. Na mesma casa, mas com outro sabor.
Continuo à espera, mas já não sei bem de quem...

quinta-feira, 10 de março de 2011

Standby



Estou aqui, torturado pelas dores do excesso de inércia, sentado num sofá mais velho que o tempo.
As paredes já não têm uma cor especifica, já tão pouco sei o que nas paredes é parede.
O chão, que um dia foi de um mogno lindíssimo, é habitado por térmitas e tornou-se um contentor para merda de rato.
E eu esperei, tal como prometi, sem sair do lugar.
Vi a história desta Nobre casa ser esquecida. Vi gerações de sem-abrigo passar por aqui sem nunca perderam a esperança de algum dia serem mais que o lixo podre da sociedade. Engano-me. Eles sonhavam ser mais que o lixo da podre sociedade.
Ouço os murmúrios das crianças lá fora, as estórias que elas contam e acreditam. E como os barulhos da minha inquietação e os meus gritos de dor fizeram desta casa um mito urbano assombrado.
Aquele pedaço de madeira agarrado à parede já foi uma porta, um dia. E, desde esse dia, aquela porta está escancarada para que tu possas entrar.
Estou à espera desse dia, impaciente. O dia em que vais entrar aqui, iluminar esta casa em ruínas e dar-me um abraço cheio de saudade.

Vou ficar aqui, meu amor. À tua espera.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Perdoa-me.



As lágrimas não param de me escorrer pelo rosto. E tu aí, impávida e serena.
Estás deitada ao meu lado, mas há horas que não me falas. Diz que me amas. Quero ouvir-te dizer que me amas.
Estás pálida. Eu pergunto se estás doente e tu nem abres a boca. Pareces-me fria, aconchego-te, abraço-te.
Peço-te desculpa mil e uma vezes, entre os soluços. E manténs o teu silêncio.
Eu sei que estás a olhar para mim. Pelo menos os teus olhos estão virados para mim, mas sinto como se estivesses a olhar para um lugar distante na tua imaginação.
Não sei como consegues. Eu aqui, torturado pela agonia, e tu apática. Magoa-me, sabes?
Dou-te um beijo na testa e saio da cama.

“Vou fazer algo para comermos, deixo-te aqui com os teus pensamentos. Desculpa mais uma vez, eu não te queria dar o tiro na nuca. Estávamos a discutir, compreende, eu estava fora de mim. Amo-te”